Espectrometria de Massas

A técnica de espectrometria de massas nos fornece informações sobre a molécula que está sendo estudada, como por exemplo o peso molecular, assim co...

Aplicações e objetivos:
A técnica de espectrometria de massas nos fornece informações sobre a molécula que está sendo estudada, como por exemplo o peso molecular, assim como também pode auxiliar em questões de elucidação de fórmula molecular e composição estrutural. Portanto, pode ser utilizado, por exemplo, para confirmar a estrutura obtida por RMN (espectroscopia por ressonância magnética nuclear) e IV (espectroscopia no infravermelho).

A técnica de espectrometria de massas (MS = mass spectrometry) é comumente empregada em conjunto com uma técnica prévia de separação, como cromatrografia líquida (mais precisamente, HPLC), sendo a técnica conjunta chamada LC/MS (liquid chromatography/mass spectrometry); ou cromatrografia gasosa (GC), sendo a técnica conjunta chamada GC/MS (gas chromatography/mass spectrometry). Você pode aprender mais sobre técnicas cromatográficas clicando aqui. A finalidade da junção destas técnicas visa separar moléculas de amostras analisadas e identificá-las pela espectrometria. Mais ao final deste artigo discorrerei mais sobre essas técnicas conjuntas, com foco em LC/MS, sendo que o princípio para GC/MS é similar.

Técnica:
Para a explicação da execução da espectrometria de massas, vamos pegar como exemplo a molécula de propano (CH3CH2CH3). Esta molécula será bombardeada com um feixe de elétrons, que pode atingir um elétron do átomo, deslocando-o (expulsando-o) e criando um íon (nesse caso, um cátion) molecular. Também pode deslocar um elétron ligante, gerando um íon e uma espécie neutra. Para esse primeiro exemplo vamos considerar que um elétron do átomo foi expulso, gerando o íon molecular.

Os íons gerados (íons produto) passam por ímãs, que irão alterar a trajetória do mesmo, de modo que os íons atinjam o detector em um certo local, de uma certa forma, em um certo ângulo, gerando um certo raio (r) (conforme Figura 1). A força que causa o deslocamento da trajetória do íon é conhecida como força centrípeta, que nesse caso, como está sendo fruto apenas da força magnética, podem ser definidas como iguais. Portanto, temos que:
Fm = Fc        (1)

Como:
 Fm = qvB        (2), onde:
q = carga elétrica
v = velocidade da carga elétrica
B = campo magnético
e
Fc = mv²/r     (3), onde:
m = massa
v = velocidade do corpo
r = raio da trajetória circular

Podemos, portanto, expandir a equação 1 utilizando as equações 2 e 3. Portanto, temos que:
qvB = mv²/r       (4)

Ao 'cortar' v de ambos os lados, temos:
qB = mv/r      (5)

Ao isolar o raio (r), visando encontrá-lo, temos:
r = (mv)/(qB)    (6)

Observa-se, portanto, que existe uma relação entre o raio de curvatura do íon (após aplicação da força magnética) e a sua massa. O detector, portanto, após determinar o raio dessa trajetória, consegue calcular a massa do íon.

Figura 1: Esquema do funcionamento básico de um espectrômetro de massas. Fonte: youtu.be/2oPUyIbPxLo

O que o espectrômetro de massas vai fornecer é um gráfico (na verdade, um espectro), onde o eixo y é a abundância relativa e o eixo x é m/q (também chamado de m/z, ou relação massa sobre carga, ou simplesmente razão massa carga). Para o caso do íon molecular do propano, mostrado na Figura 1, o espectrômetro fornecerá um sinal na marca de 44. Isso significa que o aparelho detectou uma substância carregada que por acaso pesa 44 g/mol, como mostra a Figura 2. Quanto maior a abundância dessa espécie carregada, maior é a sua abundância relativa.

Figura 2: Esquema mostrando a posição na marca 44, referente ao íon molecular do propano. Fonte: youtu.be/2oPUyIbPxLo

O espectrômetro, entretanto, não gera apenas o íon molecular, mas também gera outros íons, outros fragmentos, outras espécies. Tudo em uma mesma análise e todos são fornecidos no espectro final gerado pelo aparelho. Desta forma, durante o processo de ionização, onde um feixe de elétrons bombardeia a molécula (ou amostra) que está sendo testada, pode haver o deslocamento de um elétron ligante dessa molécula, ao invés do deslocamento de um elétron nuclear, como citado anteriormente. Ao deslocar um elétron ligante, os íons produto podem ser os mais diversos, uma vez que isto pode ocorrer em qualquer ponto da molécula. É importante, entretanto, atentar-se para a Regra de Stevenson, que diz: "A fragmentação mais provável é a que deixa a carga positiva no fragmento com a energia de ionização mais baixa". Em outras palavras: os processos de fragmentação que levam a formação de íons mais estáveis são preferíveis aos que levam à íons menos estáveis.

Apesar da fragmentação ocorrer em condições altamente energéticas (onde qualquer coisa pode acontecer), podemos prever tipos de fragmentações mais prováveis que são condizentes com a estabilidade de intermediários químicos. Abaixo seguem algumas regras gerais de fragmentação. Caso não seja seu objetivo se aprofundar, siga no artigo para continuar a explicação da técnica com o exemplo do propano.

Regras Gerais de Fragmentação:
1. A quebra é favorecida nas ligações dos átomos de carbonos ramificados. Segue a ordem de estabilidade dos carbocátions: CH3+ < RCH2+ < R2CH+ < R3C+
2. As ligações duplas favorecem a quebra alílica e dão um íon de carbônio alílico estabilizado por ressonância.
 3. Os anéis insaturados podem sofrer reação de Diels-Alder inversa (segmentação retro Diels-Alder).
4.  Em compostos aromáticos alquil substituídos, a quebra é mais provável na ligação beta ao anel, dando o íon benzílico, estabilizado por ressonância e posterior formação do íon tropílio.
5. As ligações C-C próximas a um heteroátomo frequentemente se quebram deixando a carga no fragmento que contém o heteroátomo, porque os elétrons não-ligantes fornecem estabilização por ressonância.
6. Compostos carbonílicos tem a tendência de quebrar a ligação alfa-carbonila (segmentação alfa).
7. As moléculas neutras mais frequentemente eliminadas são: CO, olefinas, H2O, NH3, HS, mercaptanas, cetenos e álcoois.
8. Compostos carbonílicos que possuem hidrogênio no carbono gama geralmente apresentam o rearranjo de McLafferty, como o principal caminho de fragmentação.

No caso do propano, um deslocamento de elétron ligante no carbono central pode ocorrer, originando um carbocátion e hidrogênio. Como o hidrogênio não é carregado, não haverá interferência dos ímãs em sua trajetória, conforme Figura 3. Portanto, ele não é detectado. Isto acontece com todas as espécies não carregadas que são fruto das fragmentações da molécula analisada. O carbocátion, por sua vez, sofre a consequência da aplicação da força magnética, uma vez que é uma espécie carregada, e é detectado.

Figura 3: Espécies neutras não são detectadas pelo espectrômetro de massas. Fonte: youtu.be/2oPUyIbPxLo

Outros exemplos de espécies carregadas que podem ser geradas a partir do propano e detectadas pelo espectrômetro de massas encontram-se na Figura 4.

Figura 4: Exemplos de fragmentos que podem ser originados do propano e detectados pelo espectrõmetro de massas. Fonte: youtu.be/2oPUyIbPxLo
 O espectro de massas, portanto, ficaria similar ao apresentado na Figura 5.

Figura 5: Espectro de massas do propano. Fonte: youtu.be/2oPUyIbPxLo

A partir da Figura 5, podemos concluir que o pico com maior massa molecular é igual ao composto na versão mais íntegra da qual conseguiremos obter em nossa análise. Por este motivo, é chamado de íon molecular e seu peso molecular é igual ao do composto analisado. 

O maior pico do espectro também é importante, pois refere-se à espécie de maior abundância relativa. Isso ocorre pois, nesse caso, a espécie é um carbocátion secundário, que é mais estável que os demais. Desta forma, o maior pico de um espectrômetro é também chamado de pico base e é referente à espécie mais estável gerada na análise.

Os íons mais abundantes não são necessariamente os mais importantes! Por exemplo: se você está analisando uma amostra biológica em busca de uma droga de abuso, a composição da matriz (sangue, urina, etc) pode, por coincidência, gerar o mesmo íon, aumentando ainda mais a abundância relativa em questão. Portanto, não costumam ser indicadores característicos do composto buscado. Por convenção, em uma técnica simples de espectrometria de massas, um conjunto de três íons devem ser selecionados visando a identificação do composto. Em uma técnica dupla de espectrometria de massas (MS/MS), por ser mais específica, um conjunto de dois íons (ou uma "transição" = par íon precursor e íon produto) é utilizado para identificação.

GC/MS e LC/MS
Como foi mencionado no início deste artigo: a finalidade da junção de técnicas de separação (cromatografia gasosa (GC) ou cromatografia líquida (LC), por exemplo) ao espectrômetro de massas, visa separar moléculas de amostras analisadas e identificá-las pela espectrometria.

O espectrômetro de massas mais comumente utilizado nesses casos é o de quadrupolo único, conforme Figura 6. É normalmente utilizado para escanear e filtrar moléculas ionizadas através de tensões DC e RF e hastes polarizadas diagonalmente opostas.

Figura 6: Esquema mostrando o funcionamento de um espectrômetro de massas de quadrupolo único. Fonte: bit.ly/2NPRZ2I
No modo "Monitoramento Seletivo de Íon" (da sigla SIM, em inglês), é aplicada uma combinação fixa de tensões DC e RF que permite a passagem de íons de razão m/z (massa sobre carga) selecionada para chegada ao detector, enquanto todos os outros íons são filtrados.

No modo "Monitoramento de Íons Múltiplos" (da sigla MIM, em inglês), é realizada uma varredura completa, obtendo-se o espectro de massas e permitindo estimar quantitativamente os constituintes da amostra.
 
A técnica de GC/MS foi a mais frequentemente utilizada para análise de sangue e urina no final dos anos 90 e início dos anos 2000, visando a detecção de drogas de abuso. Entretanto, uma desvantagem desta técnica é a necessidade de realização do procedimento de derivatização (acilação (introdução de grupamento acila) ou sililação (introdução de grupamento silila)) a fim de ajustar as propriedades das moléculas a serem analisadas. Esse procedimento pode causar problemas ambientais, além de ser uma etapa crítica e sensível da análise.

A técnica de LC/MS, por exemplo, é realizada conforme o esquema da Figura 7, onde após um HPLC encontra-se um espectrômetro de massas. A junção dos aparelhos pode ser realizado de algumas formas diferentes, uma delas é a junção por ionização por eletrospray, conforme a Figura 8. Nele, a fase móvel eluída no cromatrógrafo passa por uma agulha filha de modo a transformá-lo em gotículas, que em seguida são secas. Com aplicação de alta voltagem, as moléculas se ionizam e passam pelo espectrômetro de massas.

Figura 7: Esquema de um LC/MS.

Figura 8: Exemplo de junção entre o cromatrógrafo líquido e o espectrômetro de massas.


LC/MS/MS
A fim de "afinar" ainda mais os resultados obtidos, foi introduzido um segundo espectrômetro de massas na técnica conjunta original, possibilitando uma melhor resolução de íons segregados por um esquema de quadrupolo triplo, conforme a Figura 7.

Entre as vantagens quantitativas da utilização de um sistema MS/MS, estão: redução do ruído, aumento da seletividade e melhoria do S/N. No quesito qualitativo existem vantagens para: informação estrutural, mapa de fragmentação, diferenciação de isômeros e identificação de peptídeos.

Figura 7: Esquema de um espectrômetro de massas triplo quadrupolo. Fonte: bit.ly/2NPRZ2I
O espectrômetro de massa triplo quadrupolo é composto por três quadrupolos, chamados de Q1, Q2 e Q3. Os quadrupolos Q1 e Q3 servem como filtros de massa e o quadrupolo médio Q2 funciona como uma célula de colisão. Íons precursores específicos de interesse isolados por Q1, colidem com moléculas de gás neutro como nitrogênio na célula de colisão Q2, para que se fragmentem. Por fim, Q3 permite somente uma faixa específica de íons com razão m/z (massa/carga) chegar ao detector.

O resultado é visto na Figura 8: um cromatograma iônico, mostrando o tempo de retenção da substância no eixo x e a intensidade do sinal no eixo y. Como o íon é selecionado especificamente pela determinação da transição que será estudada, somente ele é detectado (ou um conjunto de íons, conforme determinado), pois somente ele passou pelos filtros do espectrômetro.

Figura 8: Cromatograma iônico obtido a partir de um triplo quadrupolo. Fonte: youtu.be/frmudv7qSeQ

O Monitoramento de Reação Única (da sigla SRM, em inglês) é similar ao SIM, mas ocorre somente no triplo quadrupolo. O SRM, entretanto, não resulta em espectro!

A metodologia mais utilizada em LC/MS/MS, entretanto, é o Monitoramento de Reações Múltiplas (da sigla MRM, em inglês), pois pode quantificar seletivamente compostos dentro de misturas complexas. Visa primeiramente o íon correspondente ao composto de interesse com fragmentação subsequente do íon alvo para produzir uma faixa de íons produto. Um (ou mais) destes íons produto pode(m) ser selecionado(s) para fins de quantificação. Apenas os compostos que satisfazem estes dois critérios, isto é, íon precursor e íon produto específicos e correspondentes à massa da molécula de interesse são isolados dentro do espectrômetro de massa.



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Referências:
Lab-Training. How LC-MS/MS scores over LC-MS? Disponível em < http://lab-training.com/2016/02/16/how-lc-msms-scores-over-lc-ms/ >. 
KNOWBEE. Introduction to Mass Spectrometry. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=2oPUyIbPxLo >. 
SCIEX. MRM3 for food testing video 1 (of 4). Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=frmudv7qSeQ >. 
UFPR. Espectrometria de massas. Disponível em < https://bit.ly/2JsSmfn >. 
USP. Espectrometria de massas (MS). Disponível em < https://bit.ly/2JvHE84 >. 
USP. Espectrometria de Massas Sequencial (MS/MS), "Tandem Mass Spectrometry". Disponível em < https://bit.ly/2S8MOJY >. 

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