Um pequeno resumo sobre metabolismo e excreção de fármacos. Quais fatores os afetam?

Antes de começarmos a falar sobre metabolismo e excreção — que são os tópicos de interesse deste artigo —, precisamos falar brevemente sobre o assu...

      Antes de começarmos a falar sobre metabolismo e excreção — que são os tópicos de interesse deste artigo —, precisamos falar brevemente sobre o assunto como um todo: farmacocinética.

    A farmacocinética é uma parte essencial da farmacologia, uma vez que estuda o caminho do medicamento (principalmente do fármaco) no organismo, desde a sua administração, absorção, distribuição e metabolismo, até a sua excreção.

Absorção

    A absorção consiste na passagem do fármaco (contido na forma farmacêutica de um medicamento) do local de administração para a corrente sanguínea, onde inicialmente encontra-se livre. Nesse momento, vale definir o conceito de biodisponibilidade, que é usado para descrever a porcentagem na qual a dose do fármaco chega ao seu local de ação, ou a um líquido biológico a partir do qual o fármaco chegou ao seu local de ação. 

Mas como o fármaco chega da corrente sanguínea ao seu local de ação?

Distribuição

    Bom, após a absorção o fármaco é distribuído. Na corrente sanguínea, os fármacos são transportados parte em solução como fármaco livre (sem ligação) e parte com ligação reversível a componentes sanguíneos (p. ex., proteínas plasmáticas e células sanguíneas). A albumina é a principal proteína carreadora dos fármacos ácidos, enquanto a glicoproteína ácida alfa1 liga-se aos fármacos básicos. A ligação inespecífica às outras proteínas plasmáticas geralmente ocorre em uma fração muito menor e em geral essas ligações aos carreadores são reversíveis.

    A ligação às proteínas plasmáticas é um dos fatores dos quais depende o grau de distribuição de um fármaco nos tecidos. Outro fator é a ligação do fármaco aos tecidos propriamente ditos. Apenas o fármaco livre está disponível para difusão passiva para os locais extravasculares ou teciduais em que ocorrem os efeitos farmacológicos. Assim, a concentração do fármaco livre na circulação sistêmica classicamente determina a concentração do fármaco no local ativo e, dessa forma, a eficácia.

    Mas o que acontece com o fármaco ligado às proteínas plasmáticas? Bom, à medida que o fármaco não ligado se difunde dos capilares para os tecidos, mais fármaco ligado dissocia-se da proteína carreadora até que seja alcançado um equilíbrio, onde há concentrações relativamente constantes da forma ligada e não ligada. De forma análoga, os fármacos que são transportados e solubilizados ou adsorvidos em tecidos reservatórios (p. ex. tecido adiposo e até os ossos), são liberados lentamente de acordo com o nível plasmático do fármaco, o grau de irrigação do tecido e a afinidade do fármaco pelo mesmo. É uma liberação bem mais lenta se comparada à liberação dos fármacos ligados às proteínas plasmáticas.

    Como você já deve imaginar, se o fármaco necessita da corrente sanguínea para chegar ao seu local de ação, os órgãos e tecidos mais irrigados seriam os "alvos" mais comuns. E você está totalmente certo! Inicialmente, o cérebro, o fígado, os rins e outros órgãos bem irrigados recebem a maior parte do fármaco; a liberação aos músculos, à maioria das vísceras, à pele e aos tecidos adiposos é lenta. Com exceção do cérebro — que dispõe da proteção, por exemplo, da barreira hematoencefálica — e alguns outros órgãos, a difusão do fármaco para o líquido intersticial ocorre de modo rápido, tendo em vista a natureza altamente permeável da membrana endotelial dos capilares.

Metabolismo

    O metabolismo dos medicamentos ocorre nos rins e principalmente no fígado através de reações de biotransformação mediadas por enzimas. Estas reações podem ser de: oxidação, redução, hidrólise, hidratação, conjugação, condensação ou isomerização; mas, qualquer que seja o processo, o objetivo é de facilitar sua excreção. Em geral, isto quer dizer tornar as moléculas do fármaco mais hidrofílicas. O metabolismo dos fármacos e outros xenobióticos em metabólitos mais hidrofílicos é essencial à sua eliminação do organismo, bem como a cessação das suas atividades biológica e farmacológica.

    As enzimas envolvidas na biotransformação encontram-se em muitos tecidos, mas, geralmente, concentram-se no fígado. Os índices de biotransformação de fármacos variam entre os pacientes e é influenciado por múltiplos fatores, entre eles podemos citar por exemplo: genética e doenças pré-existentes. Sob influência destes e outros fatores, alguns pacientes podem metabolizar os fármacos tão rapidamente que suas concentrações plasmáticas e teciduais de eficácia terapêutica não são alcançadas; em outros, o metabolismo pode ser tão lento que as doses habituais têm efeitos tóxicos.

    Para muitos fármacos, a biotransformação ocorre em 2 fases. As reações na fase I englobam a formação de um novo grupo funcional ou modificado ou clivagem (oxidação, redução, hidrólise); essas reações são não sintéticas. As reações na fase II englobam a conjugação com alguma substância endógena (p. ex., ácido glucurônico, sulfato, glicina); essas reações são sintéticas. Os metabólitos formados nas reações sintéticas são mais polares e, portanto, mais prontamente excretados pelos rins (na urina) e pelo fígado (na bile) que aqueles formados por reações não sintéticas. Alguns fármacos só são submetidos às reações das fases I ou II; assim, os números de fase refletem a classificação funcional, em vez de sequencial.

    Como já mencionado, as biotransformações mediadas pelo metabolismo produzem, em geral, metabólitos inativos mais polares facilmente excretados pelo organismo. Contudo, vale ressaltar que no caso dos pró-fármacos o organismo produz metabólitos ativos, ou seja, após a medicação, o pró-fármaco necessita passar pelas biotransformações do metabolismo para alcançar sua forma terapeuticamente ativa.

    Alguns fármacos podem sofrer o efeito de primeira passagem (ou metabolismo de primeira passagem), onde, após a ingestão, a concentração do mesmo é significativamente reduzida pelas biotransformações realizadas no fígado antes de atingir a circulação sistêmica. Este efeito, contudo, ocorre apenas com fármacos administrados pela via oral (e em menor grau com fármacos administrados pela via retal), uma vez que após a ingestão, ele é absorvido pelo sistema digestivo e entra no sistema porta hepático (veia porta no corpo humano que drena sangue do sistema digestivo para o fígado). Mas como evitar o efeito de primeira passagem? Bom, caso necessário, é possível utilizar outra via de administração, como a sublingual, transdérmica, intravenosa e intramuscular.

Excreção

    Os rins são os órgãos mais importantes para a excreção dos fármacos e seus metabólitos, afinal, são os órgãos encarregados da filtração (limpeza) do nosso sangue. Vale ressaltar que entre 25 a 30% dos fármacos administrados aos seres humanos são eliminados inalterados.

    Em resumo, a excreção pode ser renal, onde inclui três processos independentes: filtração glomerular, secreção tubular e reabsorção tubular passiva; ou biliar e fecal.

    No caso da excreção renal, a quantidade do fármaco que chega ao lúmen por filtração depende da taxa de filtração glomerular e da extensão da ligação plasmática do fármaco; apenas a fração livre é filtrada. Todo o processo é bastante dependente de gradientes de concentração e pH. Inclusive, no tratamento de intoxicações farmacológicas, a excreção de alguns fármacos pode ser acelerada pela alcalinização ou acidificação apropriada da urina.

    No caso da excreção biliar e fecal, transportadores existentes na membrana canalicular do hepatócito secretam ativamente fármacos e metabólitos na bile, que por sua vez são liberados no trato gastrointestinal durante o processo digestivo. Em seguida, os fármacos e metabólitos podem ser reabsorvidos do intestino, de forma que essa reciclagem êntero-hepática pode prolongar significativamente a permanência de um fármaco (ou toxina) no organismo. Os que não são reabsorvidos são excretados nas fezes.

    Mas e a depuração? O que é? Onde se encaixa? Depuração, ou clearance, é o conceito mais importante a ser considerado durante o planejamento de um esquema racional de administração prolongada de um fármaco. É, de forma bem resumida, a taxa de eliminação de substâncias do organismo, tanto exógenas quanto endógenas. No caso, a taxa de clearance é calculada geralmente a partir da eliminação da creatinina endógena para determinar a função renal de um paciente. 

    Em geral, a equipe de saúde deseja manter as concentrações de um fármaco em equilíbrio dentro da janela ou faixa terapêutica associada à eficácia e ao mínimo de efeitos tóxicos de um determinado fármaco. O clearance, portanto, é utilizado como fator determinante no cálculo da administração dos medicamentos ao paciente.

Vale ressaltar que todos esses processos ocorrem concomitantemente uns com os outros!

Mas afinal, o que acontece quando há alterações nos órgãos que participam desses processos?

    O que acontece quando o paciente tem insuficiência cardíaca? Bom, sabemos que débito cardíaco, fluxo sanguíneo regional, permeabilidade capilar e volume tecidual determinam a taxa de liberação e a quantidade potencial do fármaco distribuído aos tecidos. Dessa forma, a distribuição diminui, o que retarda todo o processo farmacocinético do medicamento, o que pode causar toxicidade se a dose da medicação não for devidamente ajustada.

    O que acontece quando o paciente tem insuficiência hepática? Nesse caso, a metabolização dos fármacos pelas enzimas hepáticas e a excreção pela bile são diminuídos. Além disso, até a distribuição e excreção são prejudicadas pois a capacidade de sintetização de albumina pelo fígado é diminuída.

    Os medicamentos mais perigosos para administração em pacientes com insuficiência hepática ou com cirrose são aqueles de estreita faixa terapêutica. Se são administrados de forma oral, a dose inicial e a de manutenção devem ser reduzidas, dependendo da gravidade da doença hepática e toxicidade do fármaco contido no medicamento. Caso o medicamento seja administrado por via parenteral, apenas a dose de manutenção deve ser adaptada de acordo com o clearance hepático. É importante ressaltar que muitas vezes o paciente com problemas hepáticos também possui problemas renais.

    O que acontece quando o paciente tem insuficiência renal? A insuficiência renal pode alterar a concentração do fármaco no corpo e o efeito de muitos medicamentos. Algumas vezes, diminuem os efeitos do fármaco, mas geralmente aumentam seus efeitos, o que pode causar toxicidade significativa. O aumento dos efeitos é causado pois o clearance renal diminui. Em outras palavras, quando o clearance é aumentado, a concentração plasmática do fármaco é diminuída; quando o clearance é diminuído, a concentração plasmática do fármaco é aumentada.

    Dessa forma, é necessário ajustar a dose em pacientes com problemas renais de acordo com o clearance renal.


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Referências:

DASGUPTA, A.; WAHED, A. Chapter 14–Therapeutic drug monitoring. Clinical Chemistry, Immunology and Laboratory Quality Control Clinical Chemistry, Immunology and Laboratory Quality Control, p. 249-273, 2014.

DELCO, Fabiola et al. Dose adjustment in patients with liver disease. Drug safety, v. 28, p. 529-545, 2005.

HILAL-DANDAN, R.; BRUNTON, L. L. Manual de farmacologia e terapêutica de Goodman & Gilman. 2a ed. Porto Alegre: AMGH, 2015.

LE, Jennifer. MANUAL MSD. Distribuição do fármaco aos tecidos. Disponível em <https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/farmacologia-cl%C3%ADnica/farmacocin%C3%A9tica/distribui%C3%A7%C3%A3o-do-f%C3%A1rmaco-aos-tecidos>. Acesso em 17/06/2023.

LE, Jennifer. MANUAL MSD. Metabolismo de Fármacos. Disponível em <https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/farmacologia-cl%C3%ADnica/farmacocin%C3%A9tica/metabolismo-de-f%C3%A1rmacos>. Acesso em 17/06/2023.

LIBERATORI, Stephanie. SANAR. Farmacocinética: descomplicando conceitos da farmacologia. Disponível em <https://www.sanarmed.com/farmacocinetica-descomplicando-conceitos-da-farmacologia-colunistas>. Acesso em 17/06/2023.

PORTAL EDUCAÇÃO. Ligação de Drogas a Proteínas Plasmáticas. Disponível em <https://blog.portaleducacao.com.br/ligacao-de-drogas-a-proteinas-plasmaticas/>. Acesso em 17/06/2023.

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